26. REVÉS

     -- Quem é você? – gritou Margô, assim que foi surpreendida pelo ser obtuso.
     A doutora não sabe, mas você, leitor atento, já desvendou a identidade do camarada. O sujeito de capuz negro, pele muito branca e barba muito preta não era outro senão aquele homem do capítulo 8 que capturou a alma de Rui Rico para Lúcifer. Não se lembra? Dá uma olhadinha lá.
    Pois no Inferno este indivíduo repulsivo atendia pela alcunha de Dome Vorpa, o puxa-saco número um do Capeta.
     -- Esta alma é minha! – repetiu novamente – Minha!
     Em seguida, ele se virou para o Senhor das Trevas e continuou o palavrório.
     -- Já que meu mestre abriu mão do espírito do futuro presidente do Brasil, eu ficarei com ele e iniciarei a dominação mundial por este país miserável!
     Empolgado, Dome Vorpa dessa vez voltou-se para o amontoado de capetas da galeria e gritou, a plenos pulmões:
     -- Viva o Inferno!
     Silêncio. O barbudo fez biquinho, encolheu os ombros, mas não se sentiu constrangido o suficiente. Mais uma vez ele berrou, dessa vez ainda mais alto:
     -- VIVA O INFERNO!!!
     Ele esperava que todos gritassem um “Vivaaaaa!” de volta. Porém, de novo, o silêncio foi geral. Mesmo os capetinhas mais infernais (com o perdão do trocadinho) ficaram quietos.
    Na verdade, o que se passava era que Dome Vorpa, como todo puxa-saco, não era muito bem quisto pelos colegas. Era tão grande sua vontade de agradar Lúcifer, que ele extrapolava os limites da dignidade. Como vocês sabem, por mais deteriorados que sejam os seres, todas as comunidades estabelecem alguns códigos de conduta para que o convívio seja possível.
     No Inferno, tudo era aceito, menos lamber as botas do chefe.
     Afinal, um dos desejos dum capeta que se preza é tomar o poder.
     -- Dome Vorpa – chamou o Diabo-mor – Venha cá.
    O homem estalou os olhos de tal forma que eles quase caíram das órbitas. A adrenalina começou a correr solto por suas veias, seu coração passou a bater mais alto que o Olodum e as pernas penderam para os lados, de tão bambas. Sabia que iria sofrer uma punição severa por sua atitude destemperada. Só agora tomava consciência do que havia feito.
     -- Dê a garrafa para essa aí do cabelo vermelho antes que eu mande arrancar um a um os pelos de sua barba. Com um canivete desamolado.
     Margô estendeu a mão e finalmente recebeu o tesouro de sua jornada.
    Lúcifer, de ombros caídos, inspirou profundo e, logo em seguida, liberou um bafo quente de desamparo pelas narinas. Dois capetinhas distraídos não desviaram a tempo e tiveram as caudas queimadas.
    O chefão das Trevas não contava com a intervenção direta de um agente do Divino em seu território – e, sem chances de resistir, admitiu a derrota e o fim de seus planos de dominação do universo. Pelo menos por enquanto.
     -- Vamos para casa? – perguntou a doutora ruiva aos amigos.
    -- Putz... Que bom que resolvemos tudo. Mas, só de pensar no trabalho que vai dar este caminho de volta já me dá preguiça! – desabafou Baldo.
    -- Não se preocupem, conheço um atalho – interviu Checarion – Cuida-te, Lúcifer. E, lembra-te: os Céus para sempre hão de vigiar-te.
    Ato contínuo, o arcanjo bateu palmas. De suas mãos, infinitos raios de luz partiram em todas as direções, rebatendo nas paredes das galerias do Inferno e cegando a todos.
     Quando voltaram a abrir os olhos, Margô, Zé, Baldo e Rimo estavam no laboratório – em frente a Caliel e os demais amigos, todos estupefatos.

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