19. DÍVIDA

     Caronte encostou suavemente a proa da canoa em uma praia de areia negra. A galeria imensa e o lago aberto no meio do esgoto da Cidade haviam ficado para trás. À frente, tochas enfileiradas à direita e à esquerda dependuradas não se sabe onde iluminavam um caminho de chão, que avançava ziguezagueando em meio à escuridão.
     - Eis a entrada do Inferno, mortais – informou solenemente o barqueiro.
   A trupe de Margô desceu da embarcação um pouco sem vontade. O lugar à frente parecia amedrontador. Não era para menos. Afinal, o grupo estava às portas do pior dos piores territórios. O ar carregado entrava rasgando as narinas e pesava nos pulmões. Viram logo nos primeiros passos que não seria nada fácil caminhar por aquelas terras.
     Zé estava com medo, mas se fez de durão.
     - É melhor do que eu imaginava. Não tem lava, não saem lâminas de fogo pelo chão e... não vejo capeta nenhum. Vamos! – argumentou o bigodudo.
     O barqueiro gigante, no entanto, adiantou-se e estendeu o remo à frente, transformando o objeto em uma espécie de cancela, impedindo a passagem. No mesmo instante, Margô previu a razão de tal atitude.
     - Meu pagamento – Caronte limitou-se a dizer.
     - O que você deseja? – quis saber a doutora.
   Se pudessem ver o rosto de Caronte, encoberto pela sombra do capuz, Margô e seus amigos teriam percebido o surgimento de duas rodas vermelhas de vergonha nas bochechas dele. Por isso, em vez de anunciar em aberto o que gostaria como pagamento, ele se abaixou e sussurrou algo no ouvido da ruiva.
     Margô sorriu e disse.
     - Tudo bem.
    Em seguida, o barqueiro fez um longo aceno para se despedir de todos, retornou à canoa e remou devagar em direção à outra margem do lago. Zé, Baldo e Rimo entreolharam-se, como se perguntassem sem dizer nada o que havia acabado de ocorrer ali. A doutora não deu sinais de querer se explicar. Eles deram de ombros - e a jornada prosseguiu.

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