11. A ENTRADA


     - É aquele aí – disse Margô, apontando um bueiro em meio a uma das avenidas mais movimentadas da Cidade.
     Ela, Zé, Baldo e Rimo estavam parados em uma esquina, observando o mapa com as instruções de Caliel. Lá, segundo o guia, era a primeira entrada do Inferno.
     - E agora, como vamos entrar? - tornou a falar a doutora.
     Baldo e Rimo entreolharam-se e não chegaram a conclusão nenhuma. Zé ficou olhando fixo a tampa do bueiro, em busca de alguma ideia, que não veio.
     A tarefa de fato não era fácil. Carros, motos, ônibus, caminhões, vans, uma ou outra bicicleta, ambulâncias, um caminhão vermelho dos bombeiros, duas carroças e até mesmo um foguete rebocado por um guincho riscavam a borracha dos pneus sobre o bueiro, em um ir e vir incessante. Zé calculou: a entrada não ficava um segundo sequer sem que um veículo lhe passasse por cima.
     Chance única era quando o sinal ficava vermelho. Entretanto, desde que estavam lá, nenhum dos quatro amigos teve a sorte de observar a passagem livre. Sempre algum carro, moto, ônibus etc parava sobre a tampa!
     - Como será que o anjo entrava aí? - Zé soltou a pergunta no ar.
     - Acho que eles têm o poder de ficarem transparentes – opinou Baldo.
     - Ou ele se fantasiava de funcionário da manutenção dos esgotos - retrucou o bigodudo.
     Uma lâmpada lá não muito acesa, então, iluminou as ideias da doutora. Talvez desse certo. Ela esperou o semáforo fechar mais uma vez e disse.
     - Venham!
     De imediato, Margô se enfiou em meio aos carros, pedindo licença aos motoqueiros. Os outros vieram no rastro. Na altura em que se localizava o bueiro, ela parou. Como era de se esperar, havia uma kombi sobre a tampa.
     - Não tem problema. Vamos esperar o sinal abrir de novo e impedir que o carro que vem atrás ande. Se formos rápidos, conseguimos abrir o bueiro e entrar.
     - Impedir como? - quis saber Baldo.
    - Assim! - respondeu a doutora, se jogando de braços abertos sobre o capô de um carrão importado que estava com o para-choque quase encostado na traseira da kombi.
     O motorista ficou maluco. Desceu o vidro, tirou metade do corpo para fora e esbravejou. 
     - Mas que &$%* é essa? Sai daí!
     A bolinha verde do farol acendeu, a kombi andou e o bueiro ressurgiu.
     - Puxa a tampa, Zé!
    Ele saiu do torpor em que estava ao ver a chefa fazer o que estava fazendo e pôs a mão na massa. Agarrou as duas maçanetas do bueiro e fez força.
     - Não abre!
     Baldo ajudou. Não era dos mais fortes, então, de nada adiantou.
    - Some da minha frente, criatura! Eu estou muito atrasado! - gritou o dono do carrão, afundando o dedo na buzina, ultra-incomodado de ver os outros veículos andarem - e o seu, não. Não era homem de perder oportunidades, nem que elas fossem tão efêmeras quanto um mero sinal verde.
     A cara normalmente branca de Zé já estava vermelha de tanto esforço. Baldo estava roxo. Os carros detrás da fila também começaram a buzinar e um motoqueiro que conseguiu acelerar passou chamando Margô de “bruxa louca”, termo que ela não achou de todo ruim.
     Indiferente à panela de pressão em que se transformava a avenida, Rimo, com calma, desceu dos ombros de Baldo e pousou sobre o bueiro. Agarrou em seguida uma das maçanetas e, com um movimento elegante, como o gesto de um mágico ou de um garçom acostumado a abrir os mais caros vinhos, girou a tampa.
     Ela fez um clique e abriu. Um cheiro estragado emergiu, torcendo o nariz de Zé, Baldo, e o bico de Rimo. O trio hesitou um segundo, com má impressão sobre o que haveria lá dentro, mas o buzinaço era tanto que mesmo assim eles pularam para o interior do esgoto.
     Só então Margô saiu de cima do capô do carro e também mergulhou nas profundezas. Antes, porém, ela sorriu para o motorista e cravou um beijo vermelho e estalado no para-brisa, como agradecimento.
    - O que minha mulher vai pensar se eu chegar com esta marca de batom em casa!? Vou ter que passar no lava-jato! - reclamou mais uma vez o sujeito do carrão. - Esta maluca só me deu trabalho!

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