8. LIVRE ARBÍTRIO


     Caliel tentou pela última vez sussurrar no ouvido de Rui Rico que aquela era uma péssima ideia. Mas, não deu.
     Rico ajeitou a gravata no colarinho da camisa e avançou três passos até o meio do círculo. Um homem barbudo, muito branco, e vestido com manto e capuz pretos veio recepcioná-lo com um sorriso estranho no rosto e uma garrafa vermelha na mão.
     - Inspire fundo e prenda a respiração até que eu dê segundo aviso – ordenou o sujeito.
   Rico obedeceu, puxou o ar e guardou-o dentro dos pulmões. Seu rosto avermelhava-se quando o estranho destampou a rolha da garrafa, encostou a abertura na narina esquerda dele e voltou a mandar.
     - Expire com força.
     O outro obedeceu – mas, não sem antes hesitar no último milionésimo de segundo. Tarde. A vontade de respirar era mais forte e o impediu de voltar atrás.
   O ar sujo saiu assoviando e num átimo preencheu o espaço vazio. Ato contínuo, o homem de preto recolocou a rolha bem apertado e sorriu satisfeito. 
     - Feito! – exclamou, em seguida.
     Rico inspirou profundo para recuperar o gás em falta. A gravata ficou apertada, obrigando-o a afrouxar o colarinho. Uma gota de suor escorreu-lhe da têmpora.
     - Foi mais fácil do que pensei – respondeu.
     Entretanto, mal acabou de dizer isso, Rico sentiu uma pontada dilacerante no peito, de dentro para fora. Era como se os órgãos se movessem, tentando ocupar um espaço vazio no centro.
    A dor tamanha forçou-o a ajoelhar-se e gritar. Um turbilhão, então, agitou-o de um lado para o outro, fazendo os braços tremerem e os dedos das mãos e dos pés curvarem-se para trás.
     Um último sacolejo e Rico caiu de costas ao chão, de olhos e bocas abertos, porém, desacordado.
     De imediato, Caliel avançou para atender seu protegido. Estava vivo, no entanto...
    - Anjo estúpido e incompetente! – disse o barbudo, mostrando todos os dentes da boca em um sorriso largo. Caliel não imaginou que o outro pudesse vê-lo.
    Sem medo de ser detido, o homem de preto caminhou em direção às sombras no fundo da sala. E, antes que fosse engolido por elas, virou-se mais uma vez e estendeu a garrafa em direção ao anjo.
    - Seu humano será um belo banquete para o Mestre.
    Dentro do vidro, um rosto feito de fumaça retorcia-se em uma careta de agonia. Queria fugir, mas não havia brecha.

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