6. A HISTÓRIA SE COMPLICA


     - O que estava escrito no relatório? – quis saber Celeste. 
     A pergunta exprimia a vontade de todos no laboratório. Além de Margô e Sorondo, moradores da casa, Beterraba, Baldo, o pequeno Rimo, Zé e a própria Celeste estavam a postos, espalhados em torno de Caliel. As mesas de trabalho e os apetrechos científicos haviam sido afastados para o lado, dando espaço ao anjo imenso, deitado com as asas estendidas sobre um colchão improvisado no meio do salão principal do lugar. Vê-lo assim era quase que admirar um quadro renascentista vivo.
    A equipe havia sido convocada pela doutora ruiva às quatro horas da manhã. Enquanto ela preparava o leito improvisado de seu anjo da guarda, Sorondo telefonou um por um. O quinteto chegou bocejando, descabelado e com remela nos olhos, mas não demorou mais que dez minutos para estar dentro do laboratório.
    Àquela altura, Margô já havia feito para Caliel um chá de folha de maracujá, extrato de almofada de travesseiro, duas gotas de baba de bicho-preguiça, cinco pedacinhos de casco de tartaruga e uma lesma seca dos campos de criação do interior da Bahia. O anjo engoliu tudo fazendo uma certa careta.
     A beberagem, no entanto, foi tão poderosa que as dores de Caliel ficaram pequenininhas. Ele olhava para os outros à sua frente meio grogue, mas, ainda assim, conseguiu falar.
     - O texto dizia que eu estava... frequentando há dois meses... 
     Margô fitou os olhos do anjo com intensidade. Ele se sentiu obrigado a concluir.
      - ... os círculos mais fechados do Inferno.
     - Inferno??? – questionou-se Rimo, dando dois passos para trás, começando a temer o caráter do sujeito. Os demônios, como se sabe, gostam de parecer aquilo que não são.
     - E você realmente esteve lá? – quis saber a doutora, direta ao assunto.
     Caliel hesitou, mas por fim sacudiu a cabeça, como quem diz sim.

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